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A revolução do consumo

Famílias brasileiras gastarão R$ 270 trilhões nos próximos 20 anos. Mas exigirão bem mais que comida na mesa.

Uma legião de brasileiros que não se contenta com pouco e que aprendeu melhor do que ninguém o valor do dinheiro olha para a administração de Dilma Rousseff, que tomará posse no sábado, com especial atenção. Sem nenhuma disposição de abrir mão do fascinante hábito de ir às compras, os consumidores exigem que a presidente eleita ponha rapidamente a inflação nos eixos, mesmo que, para isso, seja obrigada a elevar a taxa básica de juros (Selic) — a alta deve começar em janeiro. A condescendência vem, contudo, acompanhada de uma cobrança: o governo deve dar a sua cota de sacrifício, para que o aperto monetário seja passageiro. A ordem é cortar gastos públicos, incentivando o setor privado e investindo mais em infraestrutura. É apostando na estabilidade do país nos próximos 20 anos, quando a população produtiva atingirá o seu auge, que as famílias deverão despejar pelo menos R$ 270 trilhões na economia.

Ancorada por um público antes invisível às empresas — formado por idosos, solteiros, casais homossexuais, famílias da nova classe C e outros nichos —, essa máquina do consumo chamou a atenção do mundo pelo seu potencial de rentabilidade. Foram as 61 milhões de famílias que sustentaram a economia durante a crise internacional de 2008 e de 2009. Trabalho feito, elas têm, agora, um novo papel: o de alavancar o Brasil à posição de quinta maior economia. Ao longo dos próximos 20 anos, período em que a população produtiva (bônus demográfico) viverá o seu auge, o varejo avançará à taxas próximas de dois dígitos ao ano, dando a dimensão dos desafios a serem enfrentados por Dilma para não interromper esse ciclo promissor. A cada ano perdido das próximas duas décadas, como mostra a série de reportagens publicadas pelo Correio, ficará mais difícil para o Brasil ser alçado à condição de potência.

Apenas em 2010, o consumo das famílias dará um salto próximo de 7%. Puxado pelas vendas do comércio, o Produto Interno Bruto (PIB) do setor de serviços terá, no mesmo período, crescimento superior a 8%. Ambos serão os pilares do desenvolvimento brasileiro, semelhante ao modelo que levou os Estados Unidos ao topo do mundo. “O consumo das famílias tem se expandido de maneira mais forte que o PIB. Somente por conta do bônus demográfico, o país crescerá por volta de 2,5% ao ano. O consumo registrará, no mínimo, avanço de 3%”, calcula o economista Marcos Pazzini, diretor da consultoria IPC Maps.

Lucro certo
Diante de tamanho potencial, o mercado brasileiro se tornou o bote de salvação para muitas multinacionais, fustigadas pela recessão que domina os países nos quais têm sede. O diretor da francesa LeroyMerlin, em Brasília, Fernando Castanho, explica que, neste ano, a rentabilidade das filiais brasileiras ficou atrás apenas das unidades em funcionamento na Rússia. “Lá, eles tem uma demanda reprimida muito grande”, afirma. E enfatiza: “O Brasil deixou de ser o patinho feio e agora é o cisne”. Tal lucratividade é puxada também pelo crescimento do setor imobiliário. “Estou fazendo uma reforma na minha casa, mais uma das várias que fiz nos últimos anos”, conta o aposentado José Humberto Porto, 50 anos, que, normalmente vai às compras acompanhado da neta Lorena, 4.

Os dois, por sinal, representam o mercado consumidor presente, que alegra o setor produtivo, e o futuro, que tende a ser ainda mais promissor, caso o Brasil consiga tirar o máximo de proveito do número recorde de trabalhadores que construirão as riquezas necessárias para sustentar as novas gerações. “Por isso, a importância do controle da inflação. A estabilidade beneficia, principalmente, os mais pobres e viabiliza a mobilidade social que, nos últimos anos, permitiu que milhões de pessoas saíssem da pobreza”, diz o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco.

Outro mercado em franca expansão é o automobilístico. Estrela deste e dos próximos anos, o setor comemora recordes atrás de recordes e deverá ser uma das molas do desenvolvimento nacional. No ranking global de vendas de veículos, a China está na liderança com cerca de 10 milhões de unidades por ano, seguida pelos Estados Unidos, com quase 7 milhões, e em terceiro o Japão, com pouco mais de 3 milhões de carros. O Brasil de hoje é o quarto colocado e até o fim da década será a terceira potência mundial em vendas.

Com todo esse crescimento, não só a economia mudará. As relações de consumo também passarão a ser outras. Aos poucos, o brasileiro está deixando de realizar compras de abastecimento. Está parando de estocar carne e leite e de se preocupar de forma exagerada com as oscilações de preços. Começou a consumir por conveniência e a procurar aquilo que é mais prático. Também não tem tempo para a cozinha. As mulheres, obrigadas antigamente pelo machismo ao fogão, cada vez mais estão inseridas no mercado de trabalho. Dados da consultoria alemã GfK mostram que, até 1990, elas representavam apenas 5% dos chefes de família. Neste ano, chegaram a 31%. Há 20 anos, as mulheres dedicavam no mínimo uma hora por dia à cozinha. Hoje, esse tempo se resume a 15 minutos e não mais para preparar as refeições para os integrantes da casa. Elas se alimentam rapidamente antes de ir ao trabalho ou ao voltar dele.

As mudanças no comportamento dos brasileiros criaram uma poderosa indústria em prol da praticidade. O mercado de congelados, por exemplo, movimentar US$ 2,1 bilhões em 2012, o dobro do observado em 2007. Alimentar-se em restaurantes também está se tornando cada vez mais comum. Estudo da consultoria IPC Maps indica que, até o ano 2000, comer fora do lar consumia 4,4% do orçamento familiar. A partir do bônus demográfico e com o mercado de trabalho mais exigente neste período, essa parcela passará para 6,2%. Em contraponto, a alimentação no domicílio perderá espaço. Se há 10 anos consumia 19,2% da renda das famílias, daqui a 10 anos, despencará para 9,1%.

Mariana Lemgruber de Azevedo, 24 anos, não tem como almoçar em casa, devido à distância do trabalho, e come em restaurantes com frequência. “Tenho que optar pela praticidade. Com isso, gasto R$ 400 por mês”, relata. Com o advogado Caio Henrique de Oliveira, 22, não é diferente. “Eu acabo comendo na rua até no fim de semana”, afirma.


Novo perfil
O comércio de alimentos precisou se adaptar às novas relações de consumo. Os mercados de vizinhança, que oferecem mais comodidade e rapidez, estão alavancando o segmento supermercadista. Enquanto o volume de vendas dos hipermercados encolheram cerca de 8,5% em 2008 e 6,4% em 2009, os estabelecimentos de menor porte mantiveram crescimento de até 5% na média desses dois anos. “O lojão está chegando ao fim ou se tornando mais raro. A tendência é de haver uma migração para atender públicos específicos e em estabelecimentos menores”, diz Roque Pellizzaro, presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL).